Depois de dois capítulos bem básicos, é hora de engatar uma segunda e começar a criar programas mais dignos desse nome. Não vamos desprezar o que fizemos até aqui, digitando diretamente na deixa do interpretador Python. Ao contrário: tenha sempre em mente que você pode usá-lo para esclarecer aquela dúvida rápida ou mesmo localizar um bug escondido em um sistema complexo. A maioria das outras linguagens não oferece um ambiente para execução imediata de comandos como o Python. Uma exceção famosa é a linguagem Logo, onde o interpretador interativo serve justamente para facilitar a aprendizagem da programação através da exploração e experimentos.
Mas a partir de agora vamos atacar programas mais extensos, e não vamos querer digitá-los linha por linha no modo interativo. Em vez disso, vamos escrever os comandos em um editor de textos, salvar o arquivo, e mandar o interpretador Python ler o programa salvo.
A versão Windows do Python traz o IDLE, um interpretador interativo em modo gráfico que já apresentamos no primeiro capítulo. Se você não usa essa versão do Python, vá direto para a próxima seção: Testando no sistema. O IDLE inclui um editor de programas simplório, mas útil para quem está aprendendo a linguagem. O editor do IDLE exibe com cores diferentes as palavras da linguagem, de acordo com sua função sintática (lembra da aula de português onde o verbo era verde, o sujeito vermelho etc?). Para abrir o editor, rode o IDLE e acione o comando File > New window. A janela que se abrirá, com o título untitled, é um editor. Experimente digitar um programinha como esse:
for i in range(100):
print 'Fulano ',
print 'e seus Sicranos'
Note que o editor pinta algumas palavras de laranja. São as chamadas palavras-chave, peças tão importantes em Python como os verbos em português. Outras cores indicaom funções e variáveis. E os textos entre aspas aparecem em verde: dessa forma, fica difícil esquecer de fechar aspas. Outra coisa que acontece magicamente é a endentação. O editor “sabe” que após os ”:” do comando for, deve vir um bloco endentado. Para encerrar o bloco endentado, você pode teclar [ENTER] duas vezes para pular uma linha, como ocorre também na deixa do interpretador, ou então teclar [BackSpace] para apagar de uma vez só os quatro espaços à esquerda da linha.
Uma vez digitado esse programinha você pode executá-lo de duas maneiras: diretamente de dentro do IDLE ou no console do sistema operacional. Para fazer o IDLE rodar o seu programa é só teclar [F5]. Se você ainda não salvou o código do seu programa, o IDLE vai exibir uma mensagem pedindo para que você o faça. Basta usar o comando File > Save, ou melhor ainda, [CTRL]+[S]. Se você não sabe onde salvar, sugiro que crie uma pasta chamada Curso dentro da pasta onde está o seu interpretador Python e salve ali (provavelmente a pasta ficará sendo C:\Python25\Curso, no caso do Python 2.5). Assim fica fácil encontrá-lo depois. Use o nome egotrip.py.
O programinha egotrip.py faz o nome do autor aparecer 100 vezes, seguinda do nome de sua banda. No tempo dos computadores de 8 bits, programinhas como esse eram invariavelmente os primeiros exercícios de qualquer estudante de programação. No IDLE, a “saída” do programa (aquilo que ele exibe ao rodar), aparece dentro de uma janela intitulada Python Shell. Você pode fechar essa janela quando o programa parar.
Você talvez tenha notado que o programa é meio lento. Em meu velho ‘’notebook’’ Pentium 133 o programa levava 10 segundos para escrever as 101 linhas. É muito. Mas a culpa não é do Python, e sim do IDLE, como veremos a seguir.
Meu ambiente favorito para rodar programas em Python é a própria linha de comando do sistema operacional. Não costumo usar o editor do IDLE, mas sim o NotePad++, um excelente editor de textos livre e gratuito para Windows. Seja qual for o editor que você usa, o importante é salvar o arquivo como texto puro, sem marcas de formatação. O Notepad é melhor que Word para esse fim, mas o NotePad++ é muito melhor. No Linux, Gedit, Kate, Pico, Vi e Emacs são alguns editores de texto puro bastante comuns. Entre esses, prefiro Gedit e Kate, que têm interfaces mais modernas. Uma vez digitado e salvo o arquivo, você precisa executá-lo a partir da linha de comando do seu sistema.
Quem usa Linux ou já está habituado ao DOS, pode seguir até a próxima seção, ASCII art.
No Windows, para executar o programa, digite esse encantamento (supondo que você fez tudo conforme descrito na seção acima, ou fez tudo diferente mas sabia o que estava fazendo):
C:\PythonXX\Curso>..\python egotrip.py
Os sinais ..\ na frente do comando python servem para dizer ao DOS para executar um programa que está no diretório anterior no caminho atual. Assim, acionamos o programa python.exe que está na pasta C:\PythonXX.
No Linux, você precisará chegar até o diretório que contém o exemplo, e digitar:
$ python egotrip.py
Ou, se isso não funcionar, tente algo como segue (o comando exato vai depender da sua instalação):
$ /usr/local/bin/python egotrip.py
$ /usr/bin/python egtrip.py
Bom, deu trabalho mas chegamos. E como você deve ter notado, a execução do programinha foi bem mais veloz que no IDLE (em meu computador, menos de 1 segundo, em vez de 10).
Agora vamos fazer uma pequena mudança no programa egotrip que terá um grande efeito. Para fazer essa alteração, no Windows o modo mais rápido é segurar a tecla [ALT] e pressionar [TAB] até que o ícone do editor do IDLE identificado pelo nome do arquivo egotrip.py esteja selecionado. Então solte a tecla [ALT], que o editor aparecerá sobrepondo-se às demais janelas. Agora vamos modificar o programa egotrip. Ao final da segunda linha, digite uma vírgula. O seu programa deverá ficar assim:
for i in range(100):
print 'Luciano ',
print 'e seus Camargos'
Salve com [CTRL]+[S] e rode o programa novamente. Tecle [F5] para rodar no IDLE, ou siga esses passos para testar no DOS:
- [ALT]+[TAB] até voltar ao ‘’prompt’’ do DOS
- [ ] (seta para cima) para repetir o comando ..\python egotrip.py
- [ENTER] para executar o comando.
10 entre 10 programadores que usam a plataforma Windows têm muita prática com a sequência [ALT]+[TAB], [ ], [ENTER]. Logo, logo, em sua primeira sessão de caça a um bug, você terá oportunidade de praticar bastante.
Nesse caso, é interessante testar o programa tanto no IDLE quanto na linha de comando. Você verá que os resultados são bem diferentes. Experimente e tente explicar porquê.
Como exercício final, substitua o argumento 100 da função range pelo número 1000, e rode o programa novamente (não recomendo usar o [F5] do IDLE dessa vez; será bem demorado). Tente acrescentar ou retirar letras dos nomes. O efeito será diferente. Bem vindo ao mundo da expressão artística com caracteres de computador.
Até agora, todos os programas que mostramos não são interativos, ou seja, uma vez rodando, eles não aceitam a entrada de dados de um usuário ou do sistema. Programas não interativos são usados em muitas situações comuns. O programa que emite os cheques da folha de pagamentos de uma grande empresa provavelmente não é interativo, mas recebe todos os dados necessários em um único lote, antes de sua execução. Mas os programas mais interessantes, como um processador de textos, um ‘’game’’ ou o piloto automático de um avião são todos interativos. Esse é o tipo de programa que passaremos a desenvolver agora.
Nosso passeio pela ASCII art não teve apenas objetivos estéticos. Quisemos mostrar como rodar um programa em Python a partir da linha de comando porque, a partir de agora, vamos usar um comando da linguagem Python que não funciona na atual versão do IDLE. O comando chama-se raw_input, e sua função é receber uma entrada de dados do usuário (input quer dizer entrada de dados; cuidado porque você deve ter sido condicionado a acreditar que “antes de P e B sempre vem a letra M”, mas input é inglês, e se escreve com N mesmo; eu perdi uma hora com isso quando aprendia BASIC).
Vejamos um primeiro exemplo. Observe que não estamos acentuando o texto no programa porque o DOS não reproduz corretamente os acentos do Windows, e precisamos do DOS para testar esse programa. Deve haver uma forma de convencer o DOS a exibir os acentos corretos do Windows, mas ainda não descobrimos como.
De qualquer forma, isso não quer dizer que não dá para fazer programas com acentuação correta em Python; quando aprendermos a criar softwares gráficos esse problema desaparecerá.
Digite o programinha abaixo, salve como despdom1.py e execute na linha de comando.
Todo
Mostrar como usar encoding para fazer mensagens acentuadas
1 2 3 4 5 6 7 8 9 | # despdom1.py - Calculadora de despesas domesticas
print 'Balanco de despesas domesticas'
ana = raw_input('Quanto gastou Ana? ')
bia = raw_input('Quanto gastou Bia? ')
total = float(ana) + float(bia)
print 'Total de gastos = R$ %s.' % total
media = total/2
print 'Gastos por pessoa = R$ %s.' % media
|
Os números que aparecem à esquerda na listagem acima não fazem parte do programa e não devem ser digitados. Eles estão aí para facilitar a explicação que vem logo a seguir.
Antes de esmiuçar o programa, vale a pena executá-lo para ver o que acontece. Você será solicitado a digitar um valor para Ana e outro para Bia. Note que os valores deverão ser apenas números. Se quiser usar centavos, use o ponto decimal em vez de vírgula, como já vínhamos fazendo antes. E nada de $ ou R$. Vejamos um exemplo de execução:
C:\PythonXX\Curso>..\python despdom1.py
Balanco de despesas domesticas
Quanto gastou Ana? 10
Quanto gastou Bia? 20
Total de gastos = 30.0
Gastos por pessoa = 15.0
C:\PythonXX\Curso>
Agora vamos acompanhar, linha por linha, como o interpretador executou o programa. Essa é a atividade mais importante para desenvolver você como programador ou programadora. Você precisa aprender a ler um programa e simular mentalmente que acontece dentro do computador. “Quando você aprender a se colocar no lugar do computador ao ler um programa, estará pronto, Gafanhoto”.
Experimente rodar o programa algumas vezes. Note que não é um programa muito robusto: se você não digitar coisa alguma e teclar [ENTER] após uma das perguntas, ou responder com letras em vez de números, o programa “quebra”. No próximo capítulo aprenderemos a lidar com entradas inesperadas.
O programa acima é quase útil. Ele calcula a despesa total e a média, mas não responde à pergunta fundamental: quanto Ana tem que pagar a Bia, ou vice-versa? A aritmética envolvida é simples: se Ana gastou menos, ela precisa pagar a Bia um valor igual à diferença entre o que gastou e a média. Gostaríamos que nosso programa funcionasse assim:
Balanco de despesas domesticas
Quanto gastou Ana? 10
Quanto gastou Bia? 20
Total de gastos: R$ 30.0
Gastos por pessoa: R$ 15.0
Ana deve pagar: R$ 5.0
Utilize o comando File > Save As... para salvar o programa despdom1.py como despdom2.py. Agora vamos modificá-lo para fazer o que queremos. Abaixo, o programa final, e a seguir, a explicação de cada mudança que foi feita.
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 | # despdom2.py - Calculadora de despesas domesticas - versao 2
print 'Balanco de despesas domesticas'
ana = float(raw_input('Quanto gastou Ana? '))
bia = float(raw_input('Quanto gastou Bia? '))
print
total = ana + bia
print 'Total de gastos: R$ %s' % total
media = total/2
print 'Gastos por pessoa: R$ %s' % media
if ana < media:
diferenca = media - ana
print 'Ana deve pagar: R$ %s' %diferenca
else:
diferenca = media - bia
print 'Bia deve pagar: R$ %s' % diferenca
|
O que mudou:
Experimente um pouco com o programa despdom2.py. O que acontece quando os gastos de Ana e Bia são iguais? Tente responder essa pergunta sem rodar o programa. A chave está na linha 11. Qual é a média quando os gastos são iguais? Tente simular mentalmente o comportamento do computador na execução passo a passo do programa. Dedique alguns minutos a esse desafio, e só então rode o programa com valores iguais para ver se acontece o que você imaginou.
O comando if, que acabamos de conhecer através de um exemplo, é uma peça fundamental da linguagem Python, e de quase todas as linguagens de programação existentes. Sua função é descrita como “comando de execução condicional de bloco”, ou seja, é um comando que determina a execução ou não de um bloco de comandos, de acordo com uma condição lógica. No exemplo, a condição lógica é ana < media. O operador < serve para comparar dois números e determinar se o primeiro é menor que o segundo (ele também funciona com ‘’strings’‘, mas aí a comparação segue uma regra parecida com a ordem usada dos dicionários). Os operadores de comparação de Python são os mesmos usados em Java e C++:
Operador | Descrição | Exemplo |
---|---|---|
== | igual a | a == b |
!= | diferente de | a != b |
< | menor que | a < b |
> | maior que | a > b |
>= | maior ou igual a | a >= b |
<= | menor ou igual a | a <= b |
Para sentir o funcionamento desses operadores, abra o interpretador interativo do Python e digite esses testes (não vamos mostrar os resultados aqui; faça você mesmo).
>>> a = 1
>>> b = 2
>>> a == 1
>>> a == 2
>>> a == b
>>> 2 == b
>>> a != b
>>> a != 1
>>> a < b
>>> a >= b
As linhas 1 e 2 não produzem nenhum resultado, como já vimos antes. Elas apenas atribuem valor às variáveis a e b. A linha 3 parece um pouco com a linha 1, mas significa algo completamente diferente. Aqui não acontece nenhuma atribuição, apenas uma comparação, que vai gerar um resultado. Um erro bastante comum cometido por quem está aprendendo Python, C ou Java é usar = no lugar de == ao fazer uma comparação (em Basic, por exemplo, o = é usado nos dois casos). Após cada as linhas a partir da linha 3, o interpretador mostrará um número 1 ou 0, para indicar que a comparação é verdadeira (1) ou falsa (0).
Voltando ao comando if, não existe nenhuma lei que obrigue a presença de um operador de comparação na condição do if. A única coisa que interessa é que a expressão que estiver no lugar da condição será considerada falsa se for igual a 0 (zero), uma ‘’string’’ vazia, uma lista vazia ou o valor especial None, sobre o qual voltaremos a falar depois. Qualquer valor que não seja um desses será considerado “verdadeiro”, e provocará a execução do bloco subordinado ao if. É por isso que os operadores de comparação retornam 0 ou 1 para representar falso ou verdadeiro.
Não é obrigatória a presença de um bloco else após um if. Mas um else só pode existir após um if. E um if pode conter, no máximo, um else. Existe um terceiro comando de bloco relacionado a esses, chamado elif. Ele corresponde à combinação else-if existente em outras linguagens. Assim como o if, cada elif deve ser acompanhado de uma condição que determinará a execução do bloco subordinado. Como todo comando de bloco, a primeira linha do elif deve ser terminada por um sinal de :.
Um if pode ser seguido de qualquer quantidade de blocos elif, e se houver um bloco else ele deverá vir depois de todos os elif. Veja esse fragmento de código, parte de um jogo simples que criaremos no próximo capítulo:
if vf == 0:
print 'Alunissagem perfeita!'
elif vf <= 2:
print 'Alunissagem dentro do padrao.'
elif vf <= 10:
print 'Alunissagem com avarias leves.'
elif vf <= 20:
print 'Alunissagem com avarias severas.'
else:
print 'Modulo lunar destruido no impacto.'
Numa sequencia de if/elif/elif/.../else é garantido que um, e apenas um dos blocos será executado. Fica como desafio para o leitor descobrir como usar o comando elif para corrigir o bug dos gastos iguais, que aparece no programa despdom2.py.